Ansiedade: como identificá-la e quando buscar ajuda?

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Ansiedade: como identificá-la e quando buscar ajuda?

Nathaly Lamas Garcez é psicóloga especialista e mestranda em Saúde da Criança e do Adolescente (UFPR). Psicóloga do SECOVI-PR.

A Organização Mundial de Saúde (OMS – OPAS) revelou, em estudo publicado em 2017, que o número de pessoas com ansiedade vem aumentando em esfera global. Cerca de 264 milhões de pessoas sofrem de ansiedade, contabilizando 3,6% da população mundial. No Brasil, os dados são ainda mais alarmantes: cerca de 18,6 milhões sofrem de transtornos ansiosos, 9,3% do total de brasileiros. Estes números nos tornam o país mais ansioso do planeta. Só perdemos em números absolutos para a Índia, que possui 38,4 milhões de ansiosos, dado que corresponde à 3% de sua população (para mais informações sobre este estudo, leia aqui). Diante desta dura realidade, é grande e crescente o número de pacientes que buscam auxílio por problemas de ansiedade nos consultórios. Entretanto, muitos demoram para procurar tratamento, sofrendo de maneira solitária. E por que isso ocorre?

Essa demora na busca por cuidados pode ter diversas razões, que têm muito a ver com o jeito de cada pessoa ser no mundo e lidar com a própria vida. Todavia, alguns motivos acabam se repetindo na fala de diferentes pessoas, sejam pacientes ou conhecidos de maneira geral, e por isso acredito que vale a pena explicitá-los. São dois dos mais comuns:

1. Estigmatização do adoecimento psíquico: muitos evitam ou adiam a procura por tratamento pela maneira como a cultura popular retrata quem precisa ou busca cuidar da sua saúde emocional: o “doido”. Quem nunca ouviu “eu não sou maluco, não preciso de psicólogo”?

2. Medo de ser considerado “fraco” por precisar de tratamento. Muitos entendem que é sinal de fraqueza precisar de ajuda e, muitas vezes, chegam ao consultório quando estão quase ultrapassando seus limites: pensamento frequente em morte ou em tirar a própria vida, pacientes com relacionamentos já muito desgastados com seus pares ou entes queridos, pessoas com relações de trabalho muito conturbadas e que já adoeceram em virtude disso etc.

Este adiamento pode ter consequências bastante sérias: o problema se tornar maior, gradativamente se cronificar e exigir um tempo de cuidado mais longo e complexo. A demora pode trazer prejuízos não só para o paciente, mas também para aqueles com quem convive e para suas relações de trabalho, principalmente se o sintoma não o incomoda (tanto!). Diante destas questões, como saber quando buscar ajuda?

Comecemos pela compreensão sobre o que é a ansiedade patológica (sim, nem toda ansiedade é ruim!). Ela se caracteriza pela presença das sensações típicas, isto é, a mescla de agitação, antecipação de acontecimentos e medo de algo que pode não ser muito bem definido, em um primeiro momento. Adquire o status de patológico pela frequência e pelo excesso no modo como ocorre, gerando prejuízos no modo de vida, nas relações sociais e no desempenho no trabalho. O ansioso experimenta um mal-estar; suas preocupações, medos ou tensões são excessivas e sentidas como incontroláveis. Tal excesso pode ser fruto tanto de situações importantes (mudança de trabalho, entrar na faculdade, mudar de cidade) quanto das corriqueiras (falar ao telefone, sair com amigos, ir trabalhar), relacionadas com sua saúde, família, dinheiro, trabalho etc. É comum a sensação de que algo muito ruim ou desastroso possa ocorrer a qualquer momento. Muitas vezes, o julgamento do outro é muito temido e, por isso, surgem inibições e evitação do contato social, ou ainda, ocorrem crises de ansiedade diante da necessidade de interação. A ansiedade também pode ser oriunda de situações traumáticas – como catástrofes naturais, situações de violência, migração forçada etc – e permanecer na vida do sujeito por muito tempo depois do evento ocorrido. Estes são alguns dos sintomas que se observa para basear o diagnóstico médico.

Do ponto de vista psíquico, algumas questões também podem ser observadas. A ansiedade se relaciona com uma crise nas expectativas e desejos do sujeito. Esta crise aparece na relação consigo mesmo, nas relações com as pessoas e no que é esperado da vida. Em outras palavras, significa que existe uma incompatibilidade entre aquilo que o ansioso espera (de si mesmo, do parceiro, do chefe, da mãe, do pai, dos filhos, do amigo, do trabalho, da faculdade, de como as coisas deveriam ser, daquilo que gostaria muito que ocorresse etc) e/ou aquilo que se quer para si mesmo (ser uma pessoa mais dedicada, mais trabalhadora, mais magra, mais religiosa, melhor filha, melhor aluna, melhor esposa, melhor mãe etc), do que de é possível na realidade concreta dos fatos.

As expectativas apontam para valores e ideais muitas vezes inatingíveis, pelo menos em determinados momentos: aquele que se propõe a aprender algo novo e se desespera diante do fato que sente dificuldades em seu caminho; o homem que entende que ser um bom pai é estar sempre presente e, de repente, se separa; aquele que quer ser um cristão melhor e sem pecados, porém que não consegue; o aluno que quer ser exemplar, e está administrando atividades cansativas em sua vida.

O sujeito ansioso, portanto, apresenta um sofrimento demasiado e real por querer algo que, de alguma maneira, não está ao seu alcance, ou por perceber que suas expectativas não vão se cumprir. Às vezes, são coisas pequenas – que geralmente são concomitantes com outras “maiores” e mais importantes –, que o ansioso sabe ser inviável, mas mesmo assim sofre: querer que um depósito bancário no caixa eletrônico seja contabilizado no final de semana. Este desencontro é menor e consequente de condições impostas pela realidade: o banco não abre aos finais de semana. No entanto, o conflito também pode tratar de algo que é da ordem do impossível: não dá para prever e evitar todos os perigos que a vida pode oferecer; não existem pessoas que não cometem erros; a morte é inevitável.
E este modo de ser e se relacionar foi, por algum motivo, forjado na história de cada um. É preciso respeitar essa história, entendê-la e descobrir de que modos, de acordo com as possibilidades e vontades de cada um, é possível viabilizá-la ou flexibilizá-la.

Por fim, é importante lembrar que os sintomas das pessoas com adoecimento psíquico não são exclusivos de quem tem transtorno X ou Y. Eles podem estar presentes na vida de qualquer pessoa. O que caracteriza esse conjunto de sintomas como um problema de saúde, repito, é a frequência com a qual aparecem, sua intensidade e o grande prejuízo que causam na vida de quem deles padece. Afinal, quem nunca se viu muito nervoso diante de situações importantes ou mesmo diante daquelas sem grande valor, sem conseguir controlar suas seu mal-estar, por mais que tentasse? Quem nunca teve um estalo, um feeling, uma impressão de que alguma coisa ruim iria ocorrer e, no final, não era nada? Quem nunca sofreu por antecipação? Ou ainda, quem nunca perdeu o sono por estar enfrentando um período difícil? Aproveito para terminar meu texto com uma citação do Caetano Veloso, da música Vaca Profana: “de perto, ninguém é normal”.

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